quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Um projeto de lei que valoriza a cultura

Diário de Pernambuco, por Carolina Santos:
Sem verba para a discriminação 
Projeto de lei do deputado Luciano Siqueira prevê corte de verbas do governo para bandas com letras discriminatórias
. Grupos como Aviões do Forró, Calcinha Preta e Saia Rodada poderão ficar fora de festas financiadas com o dinheiro do Governo do Estado. Apresentado logo após o recesso da Assembleia Legislativa de Pernambuco, o projeto de lei Nº 394/2011, do deputado estadual Luciano Siqueira (PC do B), proíbe a utilização de recursos públicos para a contratação de artistas que em suas “músicas, danças ou coreografia desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres, negros, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e prostitutas a situações de constrangimento”. O projeto ainda vai ser votado, depois de passar pelas comissões técnicas. Se aprovado na plenária, terá também que ser sancionado pelo governador Eduardo Campos.
. Exemplos de letras ofensivas são inúmeros em gêneros tão variados como o funk, brega, pagode, forró e também em marchinhas antigas de carnaval. A mais recente polêmica é sobre as letras do brega das “novinhas” - que, para uns, estimula a pedofilia. Pelo texto do projeto de lei, a interpretação se uma música é ou não discriminatória caberia a Secretaria Estadual de Cultura e ao Tribunal de Contas do Estado - TCE. A primeira iria manter um relatório, atualizado, com nomes de artitas com repertório inadequado. Seria uma espécie de “lista negra” de grupos banidos dos contratos e editais públicos do estado.
. Já o TCE seria responsávael pela fiscalização e aplicação das multas: o gestor que descumprisse a lei teria que devolver aos cofres públicos o valor total do cachê do contratado. Na reincidência, a multa seria dobrada.
. Para o deputado, o projeto de lei não é contra a liberdade de expressão. “Estamos em um momento da sociedade em que há um consenso a favor de políticas antidiscriminatórias. O governo vem investindo em ações para aumentar o respeito às diferenças. É um contrassenso que o mesmo dinheiro que é usado nessas ações seja também utilizado para divulgar grupos que promovem a discriminação de mulheres, negros, homossexuais…”, explica o deputado. “É também um instrumento para o gestor público quando se sentir pressionado por esse ou aquele grupo artístico. O gestor terá um argumento legal para embasar sua recusa”, completa.
. Se aprovado, o projeto de lei vale apenas para os eventos financiados pelo governo do estado. As prefeituras continuariam livres para usar seus recursos para contratar qualquer grupo. “A ideia é de articular com vereadores para a criação de leis municipais nos mesmos moldes”, continua Siqueira, que está confiante que o projeto vai ser aprovado. Caso isso ocorra, o projeto 394/2011 pode ser publicado no Diário Oficial em até um mês.
Saiba mais
Tramitação da lei
O projeto de Lei Ordinária Nº 394/2011 foi apresentado segunda-feira na Assembléia Legislativa de Pernambuco e teve seu conteúdo publicado ontem no Diário Oficial. Agora, deverá ser avaliado por três comissões técnicas: a de constituição e justiça; a de educação e cultura e também pela de cidadania. Depois, será colocado em pauta para ser votado pelos deputados. Se for aprovada, a lei passa pela sanção do governador e começa a entrar em vigor quando for publicada no Diário Oficial. 
Mudança de cultura
. Em abril passado, o secretário de cultura da Paraíba, o cantor Chico César, gerou polêmica ao dizer que o governo estadual não iria contratar shows de bandas de forró eletrônico - ou de plástico, como ele chamou. O argumento utilizado não foi a do conteúdo das letras ou postura no palco dos integrantes das bandas. Foi de que a Secretaria dispõe de poucos recursos e essa verba seria empregada para estimular a cultura nordestina.
. Já na Bahia, a deputada Luiza Maia, do PT, elaborou um projeto de lei semelhante ao de Luciano Siqueira, com ênfase na proibição de conteúdo sexista. As bandas baianas protestaram por considerar que a lei vai de encontro à liberdade artística. Assim como aqui em Pernambuco, o projeto ainda vai ser levado para votação na Assembleia.
. Para a ativista Cristine Nascimento, integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e do grupo de teatro e cidadania Loucas da Pedra Lilás, projetos de lei que controlem os eventos que o governo deve financiar são necessários para a mudança da cultura discriminatória. “É um trabalho longo, demorado. A Lei Maria da Penha, por exemplo, só tem cinco anos. Mas o movimento feminista começou lá na década de 1960. A violência simbólica entra pelos olhos, pelos poros, e a pessoa violentada nem sempre percebe que está sendo vítima. Há certa paranóia de que leis como essa são para cercear a liberdade, mas desde quando o governo deve financiar o desrespeito aos outros? É uma lei polêmica, mas necessária”, diz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário